A INACREDITAVEL MEDICINA INDÍGENA

Nixi Pae, Uni, Ayahuasca

A ayahuasca, como é comumente conhecida, é uma medicina indígena milenar da Amazônia, obtida fundamentalmente a partir da infusão de duas plantas: um cipó chamado de Banisteriopsis Caapi e uma folha, a Psicotria Viridis. Utilizada por inúmeros povos amazônicos, recebe vários nomes dependendo da cultura em que se toma a bebida. Ayahuasca é originalmente uma palavra Quechua, “aya” quer dizer pessoa morta, alma, espírito, e “waska” significa corda, liana, cipó. Assim pode-se traduzir ayahuasca como “cipó das almas”, devido à sua propriedade mística de abrir o mundo dos espíritos, ou proporcionar uma visão que transcende a morte. Possui diversos outros nomes, como Nixi Pae (cipó forte) para os Huni Kuin, Uni para os Yawanawá, Kamarampi para os Ashaninka, Caapi para os Tukano, num total de pelo menos 42 nomes indígenas conhecidos.

Os estudos científicos sobre a ayahuasca tiveram início em 1851, quando um jovem botânico chamado Richard Spruce, conduzindo seus estudos na Amazônia, foi convidado pelo grupo indígena Tukano à participar de um ritual com uma bebida chamada por eles de Caapi. A bebida Caapi era feita em forma de vinho, a qual Spruce bebeu num pequeno copo que acabou por lhe provocar muitas visões. Essa bebida hoje é conhecida mundialmente como Ayahuasca, cujo preparo varia consideravelmente de acordo com a cultura, mas em geral consiste na bateção do cipó Banisteriopsis Caapi até que este seja macerado, sendo então colocado em infusão com a folha da Psicotria Viridis, num processo que pode demorar até 15 horas de cozimento.

O uso desta bebida faz parte das tradições indígenas pan-americanas de utilização de plantas sagradas ou de poder, dentro do contexto do xamanismo, que se estende desde o norte do Canadá até o sul da Argentina. Por xamanismo podemos entender o conjunto de técnicas para produzir estados de transe ou êxtase, dentro dos quais é comum que o xamã realize viagens ao mundo espiritual. Do contato com a imensa biodiversidade da floresta amazônica, surgiram grandes sistemas de conhecimento voltados para a cura e para a espiritualidade, com ênfase na utilização de plantas medicinais. Os povos indígenas da Amazônia souberam extrair sua fonte de saúde física e mental do vasto universo vegetal que os cerca.

A partir dos anos 60, alguns pesquisadores da etnobotânica começaram a chamar a atenção para o fato de que algumas substâncias psicoativas, até então consideradas drogas, possuíam uma característica singular: seus efeitos apontavam para um uso espiritual. Chegaram a definir um termo para essas substâncias, as quais chamaram de “enteógenos”. Esta palavra é um neologismo cunhado por Gordon-Wasson, Jonathan Ott, Weston La Barre e outros, para definir plantas psicoativas, significando “que faz nascer Deus dentro”, devido ao uso sacramental e religioso pelos povos nativos das Américas. Outro termo adequado é aquele proposto por Luis Eduardo Luna (1986), “plantas maestras”, isto é, plantas professoras. Este conceito está amplamente difundido, principalmente no contexto xamânico da Amazônia. Os indígenas consideram certas plantas como fonte de seu saber e poder cosmológico, mitológico e terapêutico. De maneira geral, os ayahuasqueiros concebem uma continuidade, uma solidariedade mística entre as plantas e os homens. Este pensamento se fundamenta em parte na idéia de que o conhecimento não se inicia na interioridade do homem, mas dentro da natureza vegetal que o cerca. Entre os Huni Kuin, é interessante observar que também chamam a ayahuasca de Huni Pae, e a palavra Huni pode significar gente, ser humano, de alguma forma apontando para essa inseparatividade entre o universo vegetal da natureza e a humanidade.

A medicina moderna hoje comprova o que os povos indígenas já sabiam há milênios: o enorme potencial da ayahuasca para o tratamento de inúmeras doenças. Hoje, a medicina consegue graças à novas e surpreendentes tecnologias de pesquisa, comprovar o potencial terapêutico para doenças como a depressão, dependência de álcool e drogas. Algumas pesquisas apontam também sua eficácia contra o mal de alzheimer, por seu poder de regeneração neuronal, tal como foi comprovado na recente pesquisa desenvolvida pela UFRJ, liderada por Steven Rehen e o Instituto D’ OR de Pesquisa, uma descoberta absolutamente inacreditável até pouco tempo. Outro importante estudo publicado na revista científica Nature revela que compostos químicos presentes na ayahuasca podem ajudar pacientes que sofrem de diabetes. Por esse ângulo, podemos acreditar que os povos indígenas da Amazônia estavam muito à frente da ciência em suas pesquisas biomédicas.

A Ayahuasca não vicia, não causa dependência física ou psicológica, nem alucinações no sentido da psiquiatria, como um estado de desequilíbrio mental, de ruptura com a realidade, com a ausência da referência tempo-espaço e comprometimento das capacidades de percepção, compreensão e comunicação. Nenhuma destas características se encontra no efeito da Ayahuasca. Seus efeitos do ponto de vista da psicologia são estupendos: a ayahuasca age como um facilitador de processos de autoconhecimento, ampliando a percepção da unicidade, assim como empatia e amor, além da compreensão de níveis mais profundos da psique.

Falar sobre a experiência com a ayahuasca é falar de uma transformação da percepção da vida. Passa-se a ver a vida sobre outros pontos de vista. Pensamentos e afetos que, antes, nos eram invisíveis, durante um ritual de ayahuasca, tornam-se visíveis, graças ao fenômeno da miração. Algo tão íntimo que faz lembrar um sonho. As poderosas visões provocadas pela ayahuasca, não podem ser facilmente postas em palavras, assim como num sonho que tem a sua latência como um limite para toda a linguagem. Porém para a pessoa que vivencia essas visões, elas parecem dizer muito. Como se a pessoa entrasse em um mundo inédito, povoado por seres espirituais, paisagens fantásticas, luz.